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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

BOFF A UTOPIA E O REALISMO POLÍTICO

Triste deve ser um povo que se permite escolher apenas entre Dilma  e Serra, ou seja , entre a dura realidade atual e um retorno a um passado ainda mais duro. Se Dilma se coloca como defensora do projeto sócio-econômico do governo atual, Serra fica entre a conveniência política de dizer que também vai seguir essa tendência sem poder dizer que ou renega o seu governo do PSDB de  Fernando Henrique ou que defende a política deste ex-presidente.

Triste deve ser um povo cujo sonho é manter a realidade ou voltar para o passado. É um povo convencido (con-vencido) de que não pode sonhar/voar alto. Como galinha, possui asas mas lhe falta o desejo de querer sair do chão. Assim, se contenta com as migalhas jogadas no chão. A miséria produz um realismo político que acata qualquer "melhorazinha" e bolsas famílias que, segundo promete um político do DEM,  passará a ter também um décimo terceiro. E por falar em DEM não o confunda com o "bem", até porque este é o antigo PFL que antes era PDS, que um dia já foi Arena, o partido de sustentação da Ditadura pós-64 e que hoje é aliado inseparável do PSDB e do PV.

Concordo com o teólogo e filósofo Leonardo Boff :  precisamos reencontrar a nossa dimensão-águia, a ave que tem asas e que, diferente das galinhas, voa alto. Há diversas  partes muito interessantes sobre a utopia no livro "O Despertar da Águia" publicado em 1998 pelo filósofo. Inclusive, há um trecho intitulado "Utopia versus história" que vem logo em seguida de outro trecho chamado de "Movimento versus instituição". Neste último podemos ler que "O movimento quando consegue triunfar e impor-se, muda de natureza . Vira instituição." O Autor achava que o PT nasceu de movimentos extremamente fecundos (o novo sindicalismo, os grupos de esquerda e das comunidades eclesiais de base). Para ele, o PT foi a cristalização/instituição desses movimentos e sua  força transformadora se dava enquanto conseguia manter em si o sonho e ao carisma que conseguiam realimentar em contacto com as massas de marginalizados e de excluídos.

Será que hoje o sonho sonhável é apenas o de aumento das bolsas famílias, de empregos  e do ínfimo salário mínimo? Ou será que apenas nos é permitido sonhar com os 400 quilômetros de metrô do candidato Serra e sua ética esquizofrênica que o faz  se transmutar de perseguidor em vítima perseguida? Esses foram os limites de sonhos impostos pelo processo eleitoral de nossa plutocracia. Parece um pesadelo: somos meras galinhas ciscando no terreiro dos poderosos. Mas a utopia está adormecida e se dorme pode estar a sonhar.

Segundo Boff, há uma "tensão entre a utopia e a realidade concreta, a história. A realidade dada tem seu peso e sua inércia. Ela dá segurança(...). Muitos defendem o status quo pelas seguranças que traz (...), são conservadores, opondo-se a qualquer mudança(...).É o peso da dimensão-galinha, contente com os limites de seu terreiro".

Mas a sociedade, segundo o autor, "precisa de um projeto histórico e de um horizonte utópico(...). Sem utopia e sem um sonho coletivo, uma sociedade estagna sobre os louros de suas conquistas. Ou regride ou se deixa dominar pelos padrões de outras mais fortes". O que conquistamos nos últimos anos, creio, é importante, mas é muito pouco para já estarmos estagnados. Estabilidade econômica e fim da ditadura política foram conquistas importantes. Mas o fosso criado pela desigualdade, o absolutismo da grande imprensa, a fraqueza dos partidos socialistas  e a legislação eleitoral que os enfraquece precisam ser combatidos. E isto não é tudo, precisamos de utopias ainda maiores. O Mundo atual e filhos do futuro merecem utopias maiores.

Nos diz o filósofo que "a utopia não se opõe à realidade. Ela pertence à realidade, ao seu caráter virtual". Ele nos diz também que "a utopia funciona como crítica das realizações do presente; elas não são a perfeição acabada; sempre podem ser melhoradas (...). A utopia representa a dimensão-águia que sempre de novo ganha altura e alarga os horizontes."

E a quem cabe sonhar? A quem pertence a utopia? Segundo Boff, todos são portadores da utopia, e, principalmente, os marginalizados e excluídos dos sistemas de convivência. São eles que sonham com um tipo de sociedade  "na qual todos cabem, onde prevaleça a sensibilidade pelas carências dos outros, pela qual todos possam satisfazer suas necessidades básicas e participar criativamente para aperfeiçoar as formas de inclusão e de participação."

Triste deve ser o povo em que a utopia da forma como foi pensada no último parágrafo é trocada pelo mundo proposto pelo PSDB de Serra ou pelo realismo político do PT atual. Pelo contrário, o mundo de Serra é apenas uma reação de uma elite inconformada. Já o realismo do PT é um mero conformismo de quem deixou de sonhar e preferiu se adaptar as sistema político brasileiro para tentar apenas oferecer migalhas às galhinhas que ciscam pelo chão deste país-continente.   





9 comentários:

Rodrigo Fernandes disse...

Professor,

Concordo muito com você quanto não termos escolhas assim tão interessantes. De fato, os dois candidatos restantes se encontram tão "irmanados" que sequer temos escolha. Porém, em retrospecto, não estamos tão mal assim. Basta olhar um pouquinho pra trás: Sarney, Collor, Itamar, os generais...

Creio que ainda exista uma ranço de revanchismo e pessismo no país que começou logo após o governo militar e que ainda não foi superado. Uma noção de que se o governo não for de "esquerda" a coisa sempre vai retroceder. Creio que nos falta lucidez política. E a maior prova disso é a própria esquerda "real" (PSOL? PSTU? PCO? PCdoB?) que se tornou uma caricatura de sí mesma, com propostas delirantes que nunca irão sair do papel.Não nesse mundo, nessa realidade. Não dá mesmo para levar esse pessoal a sério. E a "direita"? Bem, a direita a gente sabe muito bem do que é capaz. É a politica que começa na ditadura e acaba no caveirão.

O caminho? Nem vender a alma ao mercado, nem sonhar com a revolução total. Nem ser fanático pela auto-regulamentação do mercado, nem pelo pai-Estado. Partidos? Ideologias? Não. Indivíduo. Humanização.

Rodrigo Fernandes disse...

Completando...

Prefiro, hoje, pensar em evolução do que revolução. E não vejo caminho para tal que não seja a educação.

Giovana disse...

Vc falando no inicio do sue texto sobre ' a dura realidade atual' me fez pensar n comentario que eu ouvi na escola q eu trabalhie domingo nas eleições a moça na fila dizia q nao ia votar no Gabeira não, que prefeira votar no Sergio Cabral pois ele pelo menos o Rio ia ficar do jeito q já está.
Como se estivesse MARAVILHOSO sabe?
Como se não pudesse mudar. Se o Rio realmente tivesse uma maravilha, sem violencia, sem miseria, uma cidade boa de se viver, sem desigualdades, eu até entenderia o porque que "tentar manter do jeito que está"
Acho q foi isso que você quis dizer no inicio do texto. Agora teremos q escolher entre manter o Brasil como está (DILMA) ou voltar a velha e duro passado...

Jorge Willian da Costa Lino disse...

RESPOSTA 1:
Rodrigo, teus comentários são bastantes interessantes e tendo a concordar com quase tudo. Também acho que as alternativas partidárias de esquerda (PCO, PSTU, PCB e PSOL) não são alternativas viáveis e/ou sérias. Ainda estão no velho esquema de usar a campanha eleitoral para denunciar a exploração ou coisas do tipo, mas não tentam se colocar como alternativas viáveis para a realidade atual. São utopias que não se pretendem realizar.
Não creio, porém, que a mera evolução seja a solução, a não ser que esta seja pensada no sentido darwinista: evolução com algumas rupturas, uma espécie de desenvolvimento. O papel da Educação nesta forma de evolução seria fundamental. Seria, mas não é. A Educação da forma como está posta só permite a continuidade sem nenhuma ruptura. Se duvidar, ela até permite involuções.

Jorge Willian da Costa Lino disse...

Resposta 2:
Giovana, obrigado pelo teu comentário, ele exemplifica um pouco do que tento dizer. As pessoas já não pensam em uma transformação para melhorar o que temos. Pelo contrário, elas tem medo (e em alguns casos isto é bem real) de que possamos regredir. Para este pensamento, quem se pauta numa leitura da realidade, ficar onde está é melhor do que regredir. Nesse sentido há uma certa razão. Mas o que reclamo é a falta de sonhos, de desejos utópicos. Há anos atrás, a música de campanha do PT a governador (e o candidato era o Gabeira) dizia assim: " A gente sonha alto com os pés no chão.".

Rodrigo Fernandes disse...

Grande lembrança, Jorge.

Apesar da última e desastrada escolha do Gabeira (leia-se DEM)- a meu ver, um ato de desespero - ainda o tenho como um exemplo de lucidez intelectual.

Há algum tempo li o "Dossiê Gabeira" do Geneton Moraes Neto e no livro fica bem claro a evolução do pensamento do cara. Evolução perfeitamente coerente que, infelizmente, não foi acompanhada pelos seus pares da esquerda. Uma pena.

Quanto a educação concordo plenamente com você. trata-se mesmo de uma palavra superestimada, tida sempre como "do bem". Não é bem assim. Um exemplo clássico: a juventude hitlerista.

Jorge Willian da Costa Lino disse...

Rodrigo,
Primeiramente um abraço e um obrigado pelos comentários que são muito oprtunos e, com toda certeza, a juventude hitlerista realmente é um dos maiores exemplos de que a Educação pode ser um grande equívoco para quem deseja um mundo mais democrático, mais igualitário. Mas, por outro lado, não creio que a escolha de Gabeira pelo DEM seja apenas um equívoco (desastre). Já há muito tempo o seu partido fez a opção pelo complexo partidário comandado pelo PSDB mas que tem em seu interior também o DEM e ao PPS. Não creio que seja um mero equívoco, é uma posição estrutural do PV. Ver o Gabeira fora dessa estrutura partidária, apesar da inteligênca e do vanguardismo de algumas de suas posições, é vê-lo apenas como indivíduo sem as suas relações sociais.

Nilza Prata Bellini disse...

Jorge, não sei bem o que dizer. Mas todas as vezes que me lembro de Homero, em sua Odisséia, penso no quanto o ser humano é o mesmo, de alma torpe, desde os tempos imemoriais. Quando ouço alguém falar mal da bolsa família, solução máxima que o Lula encontrou para este país, até entendo a reação da elite. Porque essas críticas são parte do material de que é feita a alma de todos nós. Bom teria sido o Lula, se tivesse encontrado soluções realmente estruturais. Veja como exemplo, apenas, um trecho de Odisséia:
"Estrangeiro: quererias ser meu jornaleiro se eu te contratasse para minha propriedade longinqua (tens jeira assegurada) para apanhares as pedras dos muros e plantares as altas árvores? Dar-te-ia de comer o ano inteiro e roupa para vestires, assim como sandálias para tu calçares nos pés. Mas como só aprendestes a ser malandro, não quererás cansar-te com o trabalho; preferes andar a pedir pela terra para que possas alimentar essa barriga insaciável".

Esmolas nunca foram solução para nada. A idéia de trabalho para que se mereça recompensas não é fruto do capitalismo. Já estava presente lá, na Grécia Arcaica.

Jorge Willian da Costa Lino disse...

É isso aí, Nilza, concordo contigo, a recompensa como fruto do trabalho é um pensamento correto quase que de todos. Vem de tempos imemoriais. Também concordo que o bom seria as soluções estruturais. Mas estas ou são radicais ou levam décadas. Lula não enveredou pelo caminho de soluções radicais. Não teria suporte político para isso, preferiu medidas paliativas e pequenas reformas estruturais que tinham como meta aumentar o mercado consumidor interno (onde a bolsa família tem um papel importante)e diminuir a dependência externa tanto em relação ao mercado consumidor quanto ao da dívida externa que tem os juros controlado lá fora. Porém, sabia que a economia do país ia precisar lidar com a dívida interna que tenderia a crescer e que tinha sido dolarizada no primeiro mandato de FHC. Para isso, o governo de Lula desdolarizou parte da divida interna e diminuiu o juros desta última. Por isso e outras mais, digo que estamos entra a dura realidade do presente ( o PT de Dilma e seus aliados da velha política) e um retorno a uma passado mais duro ainda (o PSDB de Serra e seua aliados neoliberais)