Amigos e/ou Leitores

sábado, 27 de novembro de 2010

Lá Se Foi A Rebelião. A Desigualdade Social e a Fome

O tema da fome e da desigualdade social sempre se apresenta. É corriqueiro. Está no dia-a-dia de um mundo recheado de misérias e coberto de riquezas (ou seria  o inverso?). A canção  Miséria- composta e gravada pelos Titãs nos anos 80- já resumira bem a relação entre riqueza e miséria. O documentário Ilha das Flores também. Os nossos olhos já registraram esta contradição e as mentes tentam fugir dela. Queremos, para nós, o belo e a riqueza. Rejeitamos, na teoria, a fome e a miséria, para os outros. Mas nunca na prática. Alguns, inclusive, querem manter tudo como está, achando que o incômodo da fome do outro não o incomodará (reflexões de avestruz). Fazem até campanhas contra a esmola. Combatem o assistencialismo sem apresentar outras soluções. Falam que o governo deveria gerar empregos e defendem as empresas privadas. As mesmas que não cansam de gerar desempregados. Falam em igualdade sem revoluções. Quando é possível, enterram a cabeça na areia e não percebem que e miséria mora ao lado. Sim, o tema da desigualdade  e da fome sempre se apresenta. Ainda agora ele bateu em minha porta e saiu a poesia nomeada provisoriamente de "Lá Se Foi A Rebelião". No final, como é de costume, segue um pequeno clip com a música e uma viagem sobre algo que realmente é globalizado, a fome. É só clicar no endereço e assistir.


Lá se foi a Rebelião

A fome de alguns
O riso de poucos
O que há de bom
Ninguém liga
Como se consegue passar
Ela come abacaxi
Uma outra ela observa
Uns teclam
Uns inspiram, aspiram
A vida passa
Sem sustância
Sem feijão.
Risos
E queremos comida
Rebeliões nas ruas e nas casas
Frutas sujas
Bocas vazias
Frutas ausentes
Apenas matar
Matar a fome
Está bom, então.
Risos
Lívidas gargalhadas
Amadas fomes
Elas amam rir
Até da própria fome
As pessoas
Contradizem
A lógica social.
Feijão com farofa
Óleo de coco
Nem filósofos
Nem sociólogos
Nem poetas
Estão a compreender
Que a farofa entala
Ou vira mingau.
A lógica da farinha
Sem pirão
Não sustenta a criança.
Elas calam
Feijão na boca ou fome
Consomem o riso e o siso
Lá se foi a rebelião
Bolsa  para todos
Risos
Pernas longas, barrigas d'águas.
Ao seguirmos
O Visitante,
Irmão das bolsas,
Seguimos cegos
Mas Ela promete
Erradicar a fome
Irmã das bolsas
Ninguém liga
O risos de poucos
É o que há de bom.

Rio,  27 de Novembro de 2010
23h e 51 min.
                      
                     http://www.youtube.com/watch?v=WUHa12ep5KA (Clip com um a canção Miséria  dos Titãs e uma amostra da geografia da miséria no mundo)
                         

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

MESTRE ANGENOR

          O carroceiro do imperador, Angenor, partiu em uma viajem já fazem trinta anos.Vira e mexe, Angenor de Oliveira nos visita nas ondas dos rádios ou nos sonhos. Angenor  foi um arruaceiro do Bloco dos Arengueiros. Não gostava de estudar (ou, talvez, apenas não gostava da escola, que não era de bambas nem de samba), mas se fez conhecido como mestre . Parte da vida, foi lavador de carro e pedreiro- essa vida é mesmo um moinho!. Tentou alguns poemas, mas se encontrou com as palavras no samba. Quando criança morou em laranjeiras, mas, bom "jardineiro", plantou uma mangueira e nos deu  "as rosas não falam.", a mais bela canção popular do Brasil. Angenor  de Oliveira, quem conhece não esquece mesmo. Sim, não esquece. Angenor  de Oliveira  de Mangueira .  Mestre  C   A  R  T  O  L  A. Negro verde  e rosa  

PS: Após a leitura, reler só as partes rosas.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

ALGUMAS CANÇÕES AFRICANAS

                                                     (Zenzile) Mirian Makeba ou
                                                               "Mama África

No princípio, quando a "verba" ainda não fizera da África do Sul uma terra do futebol bilionário da FIFA, quando o líder negro Mandela era um prisioneiro e descendentes europeus controlavam o país, a luta contra o aparthaid servia de reportagens apresentadas quase todos os dias nas nossas televisões. O povo negro africano "lutou, morreu", enterrou seus mortos e cada cerimônia de enterro era um novo protesto regado com sangue, bravura e músicas.

Um dos nossos maiores artistas, o alagoano Djavan nascido no mesmo estado da Serra da Barriga onde surgiu o Quilombo dos Palmares, gravou algumas destas canções em discos primorosos da década de 80. Gravações de uma época em que ser politicamente correto era ser politizado e/ou lutar por uma causa que se considerasse justa. E Djavan não estava só entre os cantores brasileiros que se preocupavam com os irmãos africanos. Clara, Martinho, Nei Lopes são exemplos  de artistas com esta preocupação. Em todos eles, a arte da melodia é interligada à arte da poesia social. Neles a práxis se fazia na própria arte. Artistas e intelectuais populares (no fazer e para quem fazer) eram uma só coisa.

Na véspora do dia 20 de novembro (dia usado para se comemorar Zumbi e repensar as relações sociais que também se baseiam em diferenças de etnias) creio que uma bela proposta para se pensar a beleza do povo africano seria retomar as suas canções e as suas línguas. Abaixo podemos ler a letra de uma canção africana. Podemos ouvir também a melodia e a pronúncia da letra cantada por Djavam no primeiro vídeo e pelo mesmo com acompanhamento de Lokua kansa no segundo. Vale a pena ouvir até o final as belíssimas canções. Vale também consultar o blog "Angola do Outro Lado do Tempo" onde se encontra um pouco da nossa história. É só ir na coluna "Vale Consultar" e clicar.
 
Nkosi Sikeleli Africa
Malup hakanyiswu phondolwayo
Yiswa imithanda zo yethu
Nkosi Sikelela
Thina lusapolwayo
Nkosi Sikeleli Africa
Malup hakanyiswu phondolwayo
Yiswa imithanda zo yethu
Nkosi Sikelela
Thina lusapolwayo
                                                             



Felipe Mukenga é o compositor das duas canções
( Nvala e Humbiumbi) cantadas por Djavan e Lokua Kansa.


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Papel

Papel é  matéria-prima de se fazer
poemas
para serem triturados
pelo olhos
pelo cérebro
pelo sangue
pelas glândulas
pelo corpo...
pelo ser.

12 de novembro de 2010 (01h16m)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

LIBERTO, CAPOEIRA E JOGO DE ANGOLA

No próximo dia 20 comemora-se no Brasil o dia de Zumbi. Além disso, é um dia consagrado para se refletir tanto a influência dos negros em nossa sociedade, quanto as dificuldades que estes passam devido a todo o nosso processo de construção que baseou-se, desde 1530, na exploração da mão-de-obra escrava (tanto a dos nativos, quanto a africana). Este processo histórico perverso nos deixou um legado de injustiças sociais e diversos preconceitos que se estabeleceram e se recriam em nossas consciências. Talvez por isso, o dia 20 é também chamado de Dia da Consciência Negra. Consciência, porém, não tem raça, não tem cor ("alma não tem cor", nos diz a canção). Mas nossa história produziu um racismo que começa pela crença de que existem raças. O que é em si uma polêmica. Cientista discutem se há geneticamente apenas a raça humana ou se culturalmente nossas consciências e nossas ações criam raças, além das etnias e pigmentações de nossas peles. É a genética (biologia) ou a cultura (antropologia) quem tem razão? Creio que isto não importa tanto, pois consciência não tem cor. Tem erros e acertos, tem humanismos, machismo, feminismo, racismos e preconceitos. Tem influências políticas, culturais e históricas que se traduzem em ideologias no sentido de visão de mundo e que, em determinados momentos, são utilizadas por lideranças das mais diversas formas, incluindo a promoção pessoal ou a produção de novos preconceitos.

Prefiro pensar o Dia da Consciência Negra como apenas mais um dia de luta e reflexão contra os preconceitos de cor/etnias. Penso também este dia como possibilidade de facilitar a integração entre as pessoas e de podermos combater todos os preconceitos, inclusive aqueles que não sabemos que temos, como demonstrar ter alguns líderes do movimento negro que, na luta justa pela defesa dos direitos dos que se consideram negro, esquecem que muitos desses direitos também faltam aos outros pobres que tem cores  diferentes em suas peles. Não custa lembrar que ainda não somos todos igualmente libertos e que alguns nos escravizaram e ainda nos escravizam. O dia 20 de Novembro (dia da comemoração de Zumbi, um dos líderes do quilombo de Palmares onde habitavam negros e brancos) precisa ganhar força não como uma festa de uma raça/etnia/cor/povo, mas como festa e luta de todos os brasileiros que ainda sofrem com os preconceitos sociais (de raça, riqueza, profissão, região, religião, etc) e precisam lutar contra as explorações da nossa sociedade capitalista. Estes que sofrem e que precisam lutar formam o tal irmão do primeiro poema, independente da auto-classificação de cor.
  
. Segue também um poema de minha juventude e uma canção também desta época com a letra feita pelo poeta P.C. Pinheiro e interpretada por uma das melhores cantoras do Brasil, Clara Nunes. Pois é: uma foto inspira um poema que faz renascer a lembrança de um mais antigo e de uma música e, por fim, desta pequena introdução. A consciência não tem cor e trava batalhas contra os limites.


      liberto

  preso estou
  amarrado e preso
  estou amarrado
  preso pelos pés
  banzo prisioneiro sou
  pés presos amarrados
  prisioneiro estou banzo
  amarrado e preso
  preso estou.

  ouço um zumbido
  longe a zumbar
  traz recado orunmilá
  eu zumbi também
  e zumbe ganga-zumba
  e zumbe zumbi
  zambiapongo, vem!

  fim do oribi
  liberto estou
  ó, zambe!
  libertação
  quizomba
 ouço zabumbadas
 e que sambe,
 sem zanga
 ó, zambe!
 livre todo irmão.

Rio, 10/11/2010 (2h30m)




       Capoeira
Negro cantou, negro cantou
Negro cantou era noite
Corda cantou, corda cantou
corda cantou era açoite

Dizem que é bela a vida
Mas vida pra negro né bela, não
A vida jamais é bela
Quando existe açoite e escravidão

Negro fugiu, negro lutou
Negro então se libertou

Pois negro é bom
Pois negro é bom
Pois negro é bom
Na capoeira

Mas um dia, então, negro caiu
Vacilou, levou rasteira:
Homem rico prendeu negro
E deu-lhe uma "carteira"

Negro tá preso até hoje, então
Seja manhã ou seja noite.
Já não há corrente, nem açoite
Mas a tal "carteira" é escravidão

Mas negro é bom
Mas negro é bom
Mas negro é bom
Na capoeira

Um belo dia eu sei vou ver
Negro outra vez se libertar
Não vai ter açoite, não vai ter "carteira"
Pois negro é bom na capoeira

E só pra lembrar Jubiabá
Negro é preto, é branco, é prostituta
E qualquer um é negro
Quando se deixa explorar.
Mas negro é bom na capoeira.
   Rio, 24/04/84

Clara não foi a única a cantar esse sofrimento e
 a gravação não está muito boa, mas vale ouvir.


      Jogo de Angola
(Mauro Duarte / Paulo César Pinheiro)


No tempo em que o negro chegava fechado em gaiola,
Nasceu no Brasil,
Quilombo e quilombola,
E todo dia, negro fugia, juntando a corriola.


De estalo de açoite de ponta de faca,
E zunido de bala,
Negro voltava pra Angola,
No meio da senzala.


E ao som do tambor primitivo
Berimbau mharakê e viola,
Negro gritava “Abre ala”
Vai ter jogo de Angola.


Perna de brigar,
Camará...
Perna de brigar,
Olê...

Ferro de furar,
Camará...
Ferro de fura,
Olê...


Arma de atirar,
Camará...

Arma de atirar,
Olê... Olê...


Dança guerreira,
Corpo do negro é de mola,
Na capoeira...
Negro embola e desembola...
E a dança que era uma festa para o dono da terra,
Virou a principal defesa do negro na guerra,
Pelo que se chamou libertação,
E por toda força coragem, rebeldia,
Louvado será todo dia,
Esse povo cantar e lembrar o Jogo de Angola,
Na escravidão do Brasil.


Perna de brigar,
Camará...
Perna de brigar,
Olê...

Ferro de furar,
Camará...
Ferro de furar,
Olê...

Arma de atirar,
Camará...
Arma de atirar,
Olê... Olê...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

CINCO POEMAS ANTIGOS / ANOS 90

Há pouco tempo o poeta me confessou que queria que as eleições acabassem logo. Disse-me ele que um tal sociólogo metido a besta havia invadido seu espaço e que praticamente monopolizara o Blog. Disse-lhe para ter paciência, pois o momento pedia um pouco de reflexão sobra o mundo social. Ele, com o seu jeito casmurro, respondeu-me que isto ele também já fazia, mas de uma forma menos chata e com poesia. Percebi que era ciúme e fingi que ele tinha razão... Ele disse, "deixa estar, vou postar um bando de baboseiras minhas e quero ver". Pois é, tive que postar esses 5 poemas antigos para satisfazer o poeta ciumento que mal sabe que o sociólogo metido a besta quer mais é descansar, dormir, sonhar (ter pesadelos e delírios) com uma tal moça que conheceu faz pouco e chamam de Dilma.


FLORES E CIDADES

Flores lindas, flores cheirosas
flores, florestas e paixão.
Flores vida, flores mortes
Flores florestas e coração

Haviam flores, florestas e mares
Haviam flores, mares e marés
Haviam flores, corações e amores
Haviam flores, paixões e fé

Haviam não homem e mulher
Depois flores, homem e mulher
Flores, florestas depois cidades
Cidades haviam, flores também
Cidades, homens, flores, mulheres.

Haviam flores e florestas
Depois flores e cidades
Hoje... hoje?

Rio, 17/09/90



CONVITE
As andorinhas bailam no ar
Anunciando que hoje é mais um dia de festa,
Não por ser diferente dos demais,
Mas é que estamos vivos
Eu, a andorinha e você,
E isto  nos é um bom motivo:
Viver, meu amor, Já é a festa
vamos bailar.

Rio, 27/11/90




PORTAS N. 02

O que me importa
As portas que o mundo
Fechou para mim?
Parece absurdo
Mas sou poeta
E, nessa agonia,
Prefiro transpassar as paredes
Abandonar a concretude
E beijar a poesia.

18 DE MARÇO DE 1991

ABSTRAÇÃO e JUBIABÁ

ABSTRAÇÃO

(Para o Amigo e Irmão Nestor)

Existe o ser em si
Ou o ser no mundo?
Ser em si, é claro, uma ilusão,
 Uma abstração.

Mas estando no mundo,
Sendo ser-no-mundo,
Posso esquecer o outro
E tornar-me apenas ser-em-mim?

Sonho da individualidade,
Abstração de querer ser sem estar,
Utopia que se ilude e se esquece
Que a plenitude do ser em si
É ser no mundo.

 Rio, 27 de Maio de 1991.




JUBIABÁ

( para Jorge amado)

A noite cai sobre o morro
As luzes dos barracos acendem
Estou nos olhos do negro Balduíno
Quando miram o poema concreto
Feito pelo natureza e pelo homem pobre desse país,
Mas onde digo natureza leia-se Brasil.
A noite cai sobre o povo
(Não a noite dos generais)
Que mesmo assim cria poesias,
Onde digo noite se ouve pobreza
E onde digo poesia literalmente é poesia mesmo,
Ou outra coisa não seria
Sobreviver aqui e, apesar disto,
Criar a vida e a felicidade?
A poesia maior desse país
Cujo poeta maior é o povo
É escrita de noites, luzes e jubiabás. 
  
  Rio, 01 de junho de 1991