Acabo de ler um poema chamado "Confissão" da poetiza angolana Alda Lara. A leitura acabou inspirando esse meu "Destempero". É interessante quando um poema é fruto de um outro. É uma espécie de metapoema (1) em que o poema não fala de si mesmo, mas que nasce inspirado por outro. Espero que o amigo goste dos dois. O Confissão está no blog "Angola: Os Poetas" onde é possível encontrar texto de diversos autores angolanos. Vale conferir o blog.
DESTEMPERO
Um poema cru
poema sem tempero
poema cruel
reflexo da vida
vida crua
destemperada
vida cruel
cruel como o poema
sem tempero consumido
de vidas consumidas.
Rio, 28/02/11 (23h e 48)
Confissão
no silêncio pesado do caminho,
ouviu-se um passo, cadenciado
na firmeza das horas decisivas.
a sentinela bradou:
- quem vem lá?...
o homem podia ter respondido
qualquer coisa parecida
com: “gente de paz”…
mas não. onde a paz,
se no seu peito ardiam agonias
enraivadas,
se nos seus olhos boiavam
visões de fogo e de morte,
e as suas mãos,
(ó belas, generosas mãos!)
vinham ainda tintas
do sangue dos camaradas?...
não trocou portanto as falas.
Respondeu simplesmente, sombriamente:
- eu
E a sentinela, varou-o com três balas.
(Alda Lara)
(1) O dicionário (Aurélio) nos diz que metapoema é o "uso, pelo autor, do próprio poema para assinalar a sua crítica ou sua atuação ao criá-lo". Este conceito, portanto, não equivale ao usado aqui por mim. Poderia ter usado o conceito de "intertextualidade", mas prefiro manter o metapoema. Creio que ele se aproxima do termo metalinguagem,, ou seja, " a linguagem utilizada para descrever outra linguagem(...)" , metapoema não poderia ser um poema para se referir a outro poema? Espero que algum especialista em linguametalinguística possa me salvar.
2 comentários:
Na verdade, meu caro, não tem jeito. O que vc faz aí é, como vc mesmo observou, um exercício de intertextualidade. Metapoema seria o que vc pesquisou mesmo no Aurélio: poemas que podem
ser considerados “poéticas”, ou seja, poemas que tratam do “fazer poesia”, ora dizendo
para quê a poesia serve, ora dizendo como ela deve ser. Um poeta que sempre fez isso de forma magistral foi o Bandeira. Confira, port exemplo, seis poemas dele que podem perfeitamente ser considerados metapoemas:
• “Desencanto” ( A cinza das horas, 1917);
• “Os sapos” ( Carnaval, 1919);
• “Poética” ( Libertinagem, 1930);
• “O último poema ( Libertinagem, 1930);
• “Sextilhas românticas” ( Belo Belo, 1948);
• “Nova poética” ( Belo Belo, 1948).
Abração
Valeu irmãozinho. Mas agora que ficou postado como Metapoema esse tempo todo, os versos reclemarão se eu trocar o seu título (rsrsrs). Você lembrou de Bandeira e há muitos anos fiz um outro poema dialogando com Desencanto, pois se o poeta faz versos como quem morre (e morrer é definitivo!) faço, dizia eu no poema, versos como quem vive (indefinido, indefinitivo, impreciso...). Quando a ocasião precisa chegar, postarei este outro "metapoema" , na verdade intertextualidade rsrsrs. Um abração.
Postar um comentário