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terça-feira, 15 de março de 2011

Sérgio Sampaio e a Roda Morta (A Alienação)

Sérgio Sampaio foi um dos grandes nomes da música brasileira mas, como muitos outros artistas críticos, é desconhecido de grande parte do público. Este é obrigado a ouvir "Créu" e outras baboseiras que invadem nossas rádios. Tivessem a oportunidade de ouvir Sampaio e outros compositores tidos como marginais, o público encontraria na arte uma fonte de crítica para melhor refletir sobre nossas mazelas sociais e existenciais. É o caso, por exemplo, da bela canção "Roda Morta" composta por Sérgio Sampaio e regravada por Zeca Baleiro no seu disco Lado Z. Baleiro, inclusive, já homenageou Sampaio ao produzir um disco com algumas canções do autor da famosa frase "eu quero botar meu bloco na rua".

Roda Morta  nos fala  da miséria existencial das rodas sociais  formadas pelos burgueses. A poesia da canção é contundente e a melodia é melancólica (confira abaixo do texto). Letra e música em sintonia para descrever o drama da alienação de uma classe social que, apesar de ter o controle econômico da sociedade, é tão alienada quanto os grupos sociais que ela domina (Se alguém lembrou da dialética que escraviza senhor e escravo não é mera coincidência). Sampaio nos relata a dor das "colônias de abutres colunáveis/Gaviões bem sociáveis". Nos fala da separação social entre os braçais e o mundo dos que vivem em "salões coloniais". Mas Sampaio, o que denuncia a alienação, não está alienado. Como o enforcado das cartas de tarô, o seu eu-poético se vê aprisionado pela situação("O triste em tudo isso é que eu sei disso/eu vivo disso e além disso/Eu quero sempre mais e mais").

Na estrutura social denunciada na canção de Sampaio, o conhecimento individual não liberta. Mas do que o conhecimento filosófico e/ou poético do drama social de alguns indivíduos, há uma necessidade de transformações sociais profundas para que o fim da alienação possa ser possível. A roda morta precisa ser eliminada para que a grande roda social (a sociedade como um todo) conquiste o controle de si mesma. O velho Marx, falecido em 14 de março de 1883, nos dizia que precisamos transformar o mundo e não apenas filosofar sobre ele. Mas pensar de forma crítica como o faz Sampaio já é um passo a frente em relação a quem só produz "Créu" e outras formas de idiotizar a maior parte da nossa sociedade. A obra deste autor e as de tantos outros jogados na fogueira de nossa inquisição contemporânea serviriam para nos ajudar a refletir, porém é difícil encontrar nos meios de comunicações até mesmo referência aos artistas mais críticos. Temos, contudo, na internet formas anarquizantes que burlam os novos inquisidores e, sendo assim, além dos youtubes da vida, seria importantes que nos espaços dos blogs divulgássemos nomes como o de Itamar Assumpção, Falcão, Sergio Sampaio, Baleiro, Nação Zumbi, Chico Science e outros.

Seguem, além de Roda Vida (letra e música), duas outras músicas de Sérgio Sapaio. Todas foram tiradas do You tube e é possível  acessar outras canções de Sérgio ao passar o mause sobre o vídeo da canção Vida Bandida.

Roda Morta
(Sérgio Sampaio)
O triste nisso tudo é tudo isso


Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.

O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.

Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.

Eu vejo um mofo verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.

Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais
 morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz

O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais
mais e mais

  Vida Bandida



Magia Pura

Um comentário:

Unknown disse...

A melhor reportagem que eu li nos últimos anos. Chega de lixo musical. Que voltem os festivais. Quero que meu ouvido, ouça coisas que me façam pensar e não modismos incabíveis do mundo atual. Parabéns a você que demostrou sensibilidade para escrever sobre esse música de Sergio Sampaio. O mundo precisa de esclarecimentos educacionais e não de baboseira e lixo musical que temos hoje.
betinhoclem@yahoo.com