Amigos e/ou Leitores

segunda-feira, 17 de junho de 2013

AS PASSEATAS (O MORTO-VIVO ATERRORIZA, MAS GULLIVER ESTÁ DESPERTANDO?)


Escrevi este texto antes das passeata do dia 20, aquela com 100.000 pessoas no Rio. Tratei da necessidade  tamparem os rostos.  Referia-me aos revolucionários que lutam por um país melhor nesta América portuguesa coberta de ditaduras em sua história. Não tratava, portanto, nem de aproveitadores e muitos menos de agentes infiltrados que se aproveitam para tornar tudo mais caótica com a finalidade de criminalizar os movimentos sociais.
                     *****************

Eu, muitos de minha geração e das gerações anteriores participamos de muitos atos de protestos contra a ditadura empresarial-militar instalada no Brasil pós-1964. Fizemos panfletagens, atos-relâmpagos, passeatas, comícios, debates e piadas. Escrevemos nos muros pela liberdade e dizeres contra os ditadores eleitos ou não em nosso país- não custa lembrar que uma das manobras de nossa ditadura era disfarçar com o voto as atrocidades que ocorriam nos porões dos órgãos de repressão da polícia política e dos quartéis militares. E esta mesma ditadura, é claro, eram apoiada por parte da classe média e, principalmente, por empresários que tinham influências no governo. Muitos, inclusive, patrocinaram a repressão e seus órgãos de torturas. E por quê?
A ditadura, como a atual democracia brasileira, favorecia o empresariado, em especial algumas frações deste grupo que domina nossa sociedade . O setor financeiro tomou a ponta do processo de acumulação, mas também as empreiteiras ganharam com obras faraônicas, como a inútil estrada que cortava a Amazônia e foi retomada pela floresta. A crise da nossa dívida levou mais tarde ao rompimento dos setores empresariais e também ajudou a impulsionar os trabalhadores e jovens a caminharem pelas ruas do país gritando e cantando frases como estas: “Fora daqui o FMI!”, “Abaixo a ditadura!”, “Anistia!”, “Diretas, Já!”, “Vai acabar/ O quê?/ A ditadura militar/ Oba!” e muito mais.
Tivemos, os estudantes da UFRJ, a coragem de panfletar (o que obviamente era proibido) na entrada da Central do Brasil, ali bem do lado do Ministério do Exército, sobre um ato que ocorreria no dia 31 de março de 1986 (ou seria 1987? Ah, a memória!), ou seja, o enterro da ditadura militar. Era um ato com a alegria jovem cantando em ritmo de marcha fúnebre os versos “o povo não quer mais/ a opressão dos generais/ o povo não atura/ esta tal ditadura”. Esta alegria contratava com a tristeza dos enamorados da doente terminal, a ditadura, que ainda assim coagia o Congresso Nacional e sua liderança burguesa a fim de limitar a nossa luta por uma transição democrática mais veloz e profunda. E até que os enamorados conseguiram com suas orações e ameaças limitarem os avanços democráticos dos que iam para as ruas procurando nos becos a tal democracia. Lembro-me de como éramos vivos e saudáveis neste dia em que a panfletagem foi feita, neste dia em que os da caserna já haviam deixados de bater no peito o orgulho sentido de serem realmente ditadores com o disfarce do voto.
Voltemos ainda ao ato para pensarmos sobre os que caminham hoje pelas ruas de nossas metrópoles. Fizemos a panfletagem lá na Central do Brasil, mas é claro que fizemos com muita rapidez e medo, pois não queríamos conhecer os porões de nenhum quartel ou coisa parecida. Nossos jovens que hoje protestam fazem bem em esconder suas faces. Os ditadores arquivam imagens e os que foram torturados na época sabem bem disto. Na década de 1980, aumentamos os atos contra a ditadura e passamos a produzir organizações populares que hoje são as bases da nossa democracia precária: sindicatos, movimento rurais, órgão de denúncias de torturas e torturadores, partidos, centrais sindicais. Decadente, ou fingindo-se de morta, a ditadura e seus órgãos de repressão deixaram de reprimir com o mesmo rigor e violência (esta que estamos vendo com mais clareza nos últimos dias em nossas ruas).  Deixaram naquele momento de reprimir e isto talvez porque fosse impossível travar o crescimento quantitativo de pessoas que passaram a protestar. O crescimento trouxe para os atos até os antigos apoiadores da ditadura.
Hoje, nos campos e cidades, nas ruas e nos locais de trabalho, vemos cada vez mais se ampliar o número de protestos e de quem se põe a protestar. Aqueles que defendem o status quo (econômico, político e social) rapidamente se expressaram contra os manifestantes. Os órgãos de repressão foram acionados com toda a sua intolerância e brutalidade. Filetes de sangue passaram a escorrer dos rostos jovens que se propuseram a defender uma das facetas da democracia: o direito de protesto. A democracia sempre esconde a sua faceta ditatorial até que a população perceba o mundo em que vive e tenha a coragem de mostrar a sua face indignada com a relação promiscua entre o Estado e o capital. Em nosso país, cada vez mais tomado por obras faraônicas financiadas pelo Estado para depois ser entregue a empresários-como é o caso do emblemático estádio Maracanã-, o lucro de uns chegam a bilhões enquanto alguns precisam ser consolados com bolsas do governo para poderem se alimentar. E sabemos que o consolo é um ato antirrevolucionário se não acompanhado da organização popular livre e independente do Estado.
Duas personagens me ocorrem neste momento: um é o morto-vivo de vários filmes de terror. Nossa ditadura não se transformou em democracia. Nós calamos os ditadores, que, vira e mexe, vem nos aterrorizar dizendo que a ditadura foi um mal necessário com suas torturas, assassinatos. Agora o morto-vivo usa balas de borrachas e gás de pimenta no olho do povo diante dos holofotes das câmeras de televisão. Usam ainda mais da burrice se mostrando tentados a prender quem usa vinagre para se proteger do mesmo gás. A ditadura é um morto-vivo a caminhar pelas ruas e campos do Brasil assustando a todos.


Outra personagem que me ocorre é Gulliver quando na terra dos anões. Estes o amarraram ainda adormecido. Estes acreditavam terem forças suficientes para coagir o que para eles seria um gigante. Sim, os ditadores são normalmente anões com medos de Gulliver. Este talvez descubra seu tamanho nessas passeatas contra o aumento da passagem e contra a entrega de nosso patrimônio à meia dúzia de empresários ligados à FIFA e aos governos brasileiros. Como na ficção, talvez o Gulliver, que passou a caminhar fazendo passeatas por nossas ruas e portas de estádios, consiga se impor, se desamarrar. O gigante se mexe e parece estar acordando.


ontem eram os jovens contra a ditadura,
hoje testam a democracia e encontram reflexos daquela